“TESTEI POSITIVO”
a indistinção de sentidos na pandemia
Resumo
Torna-se comum, a partir da pandemia, que se diga “testei positivo/negativo para o Covid-19”. O verbo “testar”, entretanto, até então não admitia essa forma. “Testar” sempre tinha sido, em português, um verbo transitivo, ou seja, que pedia um objeto. Porém, com relação ao exame para a detecção do vírus Sars-Cov-2, surge a questão sobre qual função sintática teria “positivo/negativo”. O artigo parte de tal questão linguística para compreender como o coronavírus, ao desacelerar a sociedade da mercadoria em seus processos, abala toda a tecnologia de linguagem, desde a língua até o meio por qual circula e se constitui contemporaneamente, isto é, até o digital. Com aporte teórico da análise de discurso brasileira de Eni Orlandi e ao realizar uma leitura do filósofo e médico francês Georges Canguilhem, a indistinção entre o sujeito e o laboratório é observada em tal sintaxe, assumindo efeitos de sentido particulares em uma materialidade histórica determinada pelo digital. A tese é a de que tal indistinção promova funcionamentos que permitem tanto a dissolução da ciência, que passa a se confundir com a experiência individual, quanto o apagamento da vida do sujeito, cuja identidade é dada não pelas formas concretas de vida mas pela abstração da técnica científica em tempos de morte.
Publicado
2020-12-15
Seção
Artigos